domingo, 18 de março de 2007

CORAÇÃO DE OURO


Picasso, Pablo. Homme devoilant une Femme, 1939.



Deitados na cama, em si mesmos, um casal. A voz masculina materializa-se:

- Eu preciso de amor.

- Eu te amo.

- Eu preciso amar – disse friamente.

- Você não me ama?

- Não.

Nenhuma outra palavra promoveria tal silêncio. A sinceridade sempre é uma apunhalada. Às vezes extrai partes ruins, mas só às vezes.

A moça adorava as pernas e a sobrancelha do namorado e se sentia completa ao vê-lo mastigar. Mastigava como sua mãe. Devagar, de vagar, devagar. Ela não sabia, mas também não o amava. Só amava nele, o que não era dele. O andar do sogro, as sobrancelhas do ator famoso, a lentidão de uma tartaruga e algumas outras coisas.

- O que é amor, querida?

- Não sei, é...

- Você não sabe – disse interrompendo-na.

- Desculpa.

- Eu acho que o amor que sinto pelo meu cachorro é maior do que o que sinto por você.

- Você também não sabe.

- E também não tenho um cachorro.

Era assim que demonstravam afeto um pelo outro. Uma briga de sentimentos. Sabiam que o amor é fabricado, e tentavam construí-lo. Nunca conseguirão. O amor é feito a duas mãos, não quatro.

Olhando um no outro, como se tivessem em uma busca impossível, analisavam-se. O rapaz quebrou o silêncio:

- Eu só queria que você me entendesse.

- Só nós mesmos podemos nos entender.

- Isso é impossível.

- Você é o que decifra de você – disse a moça.

- Ou o contrário – deduziu o amante.

- Às vezes o seu coração é duro e frio.

- Às vezes você vê como o meu coração realmente é, querida.

Continuavam se olhando nos olhos.

- Eu só vejo tristeza nos seus olhos – disse a moça.

- É por que você vê um reflexo.

- Pode ser.

- Somos horrivelmente tristes.

- Talvez seja por isso que estamos juntos.