Picasso, Pablo. Homme devoilant une Femme, 1939.
Deitados na cama, em si mesmos, um casal. A voz masculina materializa-se:- Eu preciso de amor.
- Eu te amo.
- Eu preciso amar – disse friamente.
- Você não me ama?
- Não.
Nenhuma outra palavra promoveria tal silêncio. A sinceridade sempre é uma apunhalada. Às vezes extrai partes ruins, mas só às vezes.
A moça adorava as pernas e a sobrancelha do namorado e se sentia completa ao vê-lo mastigar. Mastigava como sua mãe. Devagar, de vagar, devagar. Ela não sabia, mas também não o amava. Só amava nele, o que não era dele. O andar do sogro, as sobrancelhas do ator famoso, a lentidão de uma tartaruga e algumas outras coisas.
- O que é amor, querida?
- Não sei, é...
- Você não sabe – disse interrompendo-na.
- Desculpa.
- Eu acho que o amor que sinto pelo meu cachorro é maior do que o que sinto por você.
- Você também não sabe.
- E também não tenho um cachorro.
Era assim que demonstravam afeto um pelo outro. Uma briga de sentimentos. Sabiam que o amor é fabricado, e tentavam construí-lo. Nunca conseguirão. O amor é feito a duas mãos, não quatro.
Olhando um no outro, como se tivessem em uma busca impossível, analisavam-se. O rapaz quebrou o silêncio:
- Eu só queria que você me entendesse.
- Só nós mesmos podemos nos entender.
- Isso é impossível.
- Você é o que decifra de você – disse a moça.
- Ou o contrário – deduziu o amante.
- Às vezes o seu coração é duro e frio.
- Às vezes você vê como o meu coração realmente é, querida.
Continuavam se olhando nos olhos.
- Eu só vejo tristeza nos seus olhos – disse a moça.
- É por que você vê um reflexo.
- Pode ser.
- Somos horrivelmente tristes.
- Talvez seja por isso que estamos juntos.