segunda-feira, 30 de julho de 2007

PAREDES DE VIDRO


E por que ver tudo somente faz doer mais? Paredes de vidro escondem o ar que dá vida, mas que em excesso mata por asfixia. E por que não viver num mar onde abunda alegria, onde se sorri e se foge dos predadores, onde se embriaga de espumas e se morre como presa? Brincar de ser vítima e comer com a boca cheia de sangue os pedaços da vida que se esvaem, mostrar ao mundo sua insignificância, ao invés de esperar que o mundo lhe mostre.

As paredes são feitas das próprias escamas que morreram, dos próprios sonhos que caíram. O olhar fareja um mundo de realidade que se fantasia no ego. O som da liberdade dói, mas encanta. Talvez um pulo para a morte fosse um pulo para a glória. A glória de quem tenta, já sabendo do fracasso. Mas não se sabe, a glória maior pode ser simplesmente fazer de conta que se existe e acreditar que milênios passados foram como segundos para superar os segundos que parecem milênios.

Se o olhar intimidante seca a boca e acompanha a velocidade da água, é preciso saber viver, sobreviver com ele. Os donos desses olhos não fazem companhia, pelo contrário, só mostram que a solidão acompanha. Não se aprende a ser só, se aprende a estar só, e dentro de um mundo a prova de água, apenas um vulto já traz a alegria da esperança de uma visita.

Viver só em um castelo faz com que se torne ao mesmo tempo rei e plebeu. E que se sonhe em ter uma coroa para poder lavar o chão como se deve, mostrando que é o mais belo enfeite da estante e que bebe as próprias fezes.

A prisão torna o tempo um redemoinho, o passado que envergonhava se torna glória, se torna exemplo, se torna projeto, desejo, previsão do futuro. Os pais ausentes viram heróis, os filhos desejados são estampados na mesmo fotografia que traz a criança que um dia se foi, as desilusões amorosas se mostram como ardentes paixões que esperam o acasalamento sob uma folha do rio. Se vive o passado, pois o presente não merece ser vivido. As gotas de água que caem são como ondas de um mar que nunca se viu, trazendo o som do oceano que envolve todos os outros sons, cegando a alma e trazendo o som que embala o sono que se deseja eterno.

Assim como um peixe colorido em um aquário redondo, as almas estão presas em uma redoma de vidro, e precisam de alguém que troque a sua água, que as purifique. Precisam de alguém que limpe o vidro e o deixe tão transparente que nem se note que ele existe. Porém o máximo que se consegue é alguém que pegue o aquário todo cheio de lodo e lama e jogue o peixe no rio. E achando tê-lo retornado para casa o joga aos dentes famintos.



Letra - Tradução