sábado, 21 de abril de 2007

A MORTE DA ROSA


Letra - Tradução



Obra de Michelangelo, Davi estereotipado. Um fantasma de mármore macio. Pele de tulipas sobrepostas, que em sua transparência mostrava veias profundas e esfumaçadas. Nunca nenhum fio ousou nascer-lhe. Sem raça, sem cor. Branco como
cisnes de lagos azuis. Os olhos eram apenas pérolas. Sem íris.

Vida? Não existia. Ele existia. Era possuído por terras sem limites, que sempre começam não sei onde e terminam aqui mesmo. Uma insuficiência que residia com a pouca luz do astro dormente que translada a sua única posse, o seu planeta.

Um ser, uma única função. Cuidava da sua amante, uma rosa ao seu tamanho equivalente. Rosa enraizada, solitária. Flor feita da mais pura seda escarlate, formada por larvas repugnantes. O calor da tinta-carne vibrava, despertava paixões até mesmo do último líder morto de um comunismo autoritário. O tronco verde, que por instinto vegetal produzia grandes espinhos, suportava uma única aglomeração de pétalas flamejantes.

Não pela inexistência de água, mas por rito inexplicável, regava a rosa consigo mesmo, com seu próprio sangue. Era preciso olhar bem de perto para distinguir um pedaço de tecido enrolado na sua mão esquerda de sua pele. Ambos brancos e opacos. Encarando a rosa, desamarrava, com a ajuda da boca, o lenço de sua mão. Sobre aquela mão fria e delicada, como o véu da noiva de olhar mais triste, existia um ferimento recém cicatrizado. O ser branco pegava o indicador da mão direita e com a unha limpa e longa de madrepérola abria novamente o seu ferimento. O sangue escorria. Era incrível um ser tão branco tê-lo tão vermelho. Regava a planta em um ato doméstico, insano e infeliz.

Como no cotidiano de um operário alienado, sobrepunham-se diariamente: tecido-mão-unha-sangue-rosa. Quanto mais rubra ficava a rosa, mais alvo ficava aquele sofrido pedaço do universo.

Quando o sangue já lhe negava sair, quando seco por dentro estava, preparava o fim.O fogo das rosas era tão grande que lhe atraia como um lobisomem de um filme de grande orçamento de Hollywood. Andando como um animal faminto e estéril, a figura andrógena aproximou-se da planta. Mais rápido que o piscar de um cão de guarda quebrou-lhe o tronco. Na posição ingrata de quem bebe o último átomo de um uísque escocês, ingeriu todo o seu sangue que jorrava daquele botão de rosa recém aberto.

Quanto mais bebia a seiva ardente, mas se acinzentava. Em metamorfose, o mármore de Michelangelo tornava-se bronze de Verrocchio. Os arrepios arrependidos da criatura ajoelhada colocavam medo na morte. De água para vinho: a pérola tornara-se negra. Os raios de sol se anoiteceram nas profundezas de um precipício. Negro do branco dos olhos às unhas dos pés. Agora, sua tonalidade imitava a cor de um ônix opaco. O corvo sem asas caiu jogado ao lado de uma rosa triste, insegura, murcha, morta e branca.

Um comentário:

Daniel Montel disse...

Esse conto foi tirado do fundo do baú, faz uns dois anos que eu escrevi. E se você não percebeu, trata-se de uma releitura de "O Pequeno Príncipe". Muito obrigado.