sábado, 18 de agosto de 2007

PRIMEIRO CRIME




Letra - Tradução


Às vezes as palavras soam como zunidos. Tentar ouvi-las todas de uma vez é como a todas ignorar. Presenciar a festa dos sons de modo que o chão vibre com suas ondas, de modo que os olhos dancem em um ritmo empolgante e monótono. Nos intervalos das aulas tudo era assim. De alguma forma mantinha-me drogado com minha própria solidão.

Amores sempre acontecem, o difícil é percebê-los. Você se perde olhando para uma garota e de repente está pensando em chocolate e futebol. Naquela manhã, enquanto todos os outros garotos corriam pelo pátio, lá estava eu, como sempre, olhando o barulho indistinguível da felicidade infantil. Em um susto ouvi uma garota nervosa e rosa dizer: “para de olhar para mim, eu te odeio”. Qual era o meu segredo? O que eu fazia para conseguir o ódio de uma pessoa apenas com um olhar? Uns dois anos depois soube que ficava todo o intervalo a encarando de boca aberta. E eu achando que ninguém se importaria se eu ficasse pensando nos bolos da mamãe e nos jogos do Playstation.

Eu te odeio. Eu todeio. Etodeo. Eou. Eu. O eco daquela frase me perturbou. Levantei e saí andando, procurando um abraço das paredes. O banheiro foi meu destino. Nunca tinha entrado no banheiro da escola, pois tinha medo que as pessoas olhassem para mim. Tive sorte, ninguém estava ali para me vigiar. Entrei em uma daquelas portas e sentei no vaso sanitário como quem senta na calçada para ver os carros passarem na rua.

Não sei ao certo quanto tempo fiquei ali, mas foi o suficiente para todos os gritos de fora sumirem. Aquele quadrado era todo branco, com uma porta cinza e velha. Tinham muitas coisas nela escritas. Não me lembro de nenhuma delas, apesar de ter certeza de ter lido todas.

Resolvi escrever também. Eu também sou dono da porta do banheiro da escola. Peguei um lápis que tinha no bolso e escrevi: “Lola e”. O que eu estava fazendo? Segurei o lápis bem forte, risquei o “e” e escrevi “puta”, “Lola puta”. Foi um momento de felicidade inigualável, sim, eu amava uma puta, e agora podia fazer coisas que eu ainda não sabia fazer, mas que sabia que eram boas. Felicidade, acho que se pudesse voltar no tempo, teria chamado todas as meninas da escola de “putas”, ficar muito tempo escrevendo, ficar muito tempo feliz.

E enquanto desaparecido em meus próprios pensamentos, um barulho de passos tirou-me do meu melhor sonho. Saí olhando para o chão como o maior pecador do mundo e ouvi uma voz que me descreveu como eu realmente era naquele momento: “Cagão”.

2 comentários:

Unknown disse...

Dani...Adorei esse conto!kkkkk
Muito legal, simples e espontâneo!
Vai fundo que isso ainda vai te dar futuro!
Eita menino que me dá gosto!rsrsrs
bjo

Cesar Rezende disse...

Cara adorei o conto...
a parte de se drogar da solidão...muito bacana....muitas vezes nos prendemos certas coisas quando estamos sozinhos...que parecemos estar drogados ou presos numa solidão que dói mais que qualquer coisa...
a parte do cagão tambem ficou otima...espontanea, inusitada....
como sempre vc fez um bom trabalho...
abraços